quarta-feira, 27 de maio de 2009

Blecaute

Otávio Henrique de Oliveira, mais conhecido como Blecaute, foi um grande sambista dos carnavais das décadas de 40,50 e 60. Órfão de pai e mãe, nascido em 05 de dezembro de 1919, no Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, foi trazido para a capital aos seis anos de idade, onde trabalhou como engraxate e entregador de jornais na avenida São João. Nas horas livres, aproveitava para batucar na caixa e compor algumas canções. Foi assim, que ele começou a desenvolver o gosto pelas batucadas.
Mas foi em 1941 que o cantor e compositor iniciou sua carreira, atuando na Rádio Difusora. Foi nessa época também, que Otávio Henrique de Oliveira recebeu o apelido Blecaute, pelo então Capitão Furtado.
Blecaute transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1942, onde gravou seu primeiro grande sucesso O Braguinha e foi contratado pela Rádio Tamoio, atuando ainda nas Rádios Mauá e Nacional. Foi com toda essa exposição nas rádio que Blecaute atingiu o sucesso e ficou conhecido como a estrela da Rádio Nacional.
Blecaute ficou conhecido pelas suas marchinhas de carnaval. Em cada uma delas, ele procurava descrever suas angústias e os problemas que enfrentava em uma sociedade preconceituosa – já que ele era negro – e onde só os “Doutores” se davam bem. Um dos exemplos disso é a música Chora, doutor, de J. Piedade, Orlando Guzzano e J. Campos.
Em entrevista para o documentário ‘Blacuate – Voltei porque fiquei com saudade’, Beth Carvalho o descreve como um sambista extraordinariamente original e com uma marca única “sorriso branco e enorme, onde ele chegava, ia logo abrindo o sorriso”. Beth também afirmou que depois dele as marchinhas de carnaval perderam a graça: “Não tem mais marchinha de carnaval e de salão como as dele, esse tempo ficou para trás”.
Dentre tantos LPs gravados por Blecaute, tem dois que marcaram sua trajetória, segundo alguns estudiosos que participaram do documentário, um deles é o Carnavália, resultado de uma turnê de shows realizadas a partir de 1968 na Boate Casa Grande, atual teatro do mesmo nome, na zona sul do Rio e do qual participaram Marlene e Nuno Roland, liderados pela cronista Eneida, que narrava a história do carnaval carioca. O outro é um LP que ele gravou em espanhol, com o objetivo da América toda poder ouvi-lo. Esse último apresenta canções de bolero, porque Blecaute acreditava que dessa forma seria mais simples para o público entender.
Blecaute faleceu em 09 de fevereiro de 1983, aos 63 anos e como muitos outros “morreu esquecido”, conta Beth Carvalho.

(Chora doutor)

Chora doutor
Chora
Eu sei que o medo
De ficar pobre
Lhe apavora.
O senhor tem palacete
Pra morar
Mais eu tenho
Um barracão e um amor.
Ai,ai,ai, doutor
Eu só não quero
Ter a vida do senhor.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Recuperando a história: Oito Batutas

Os Oito Batutas fizeram sua primeira turnê internacional em 1922. Grupo formado por negros que tocavam música popular em uma época que mestiços e negros eram considerados um empecilho para o crescimento econômico e social do País. Entre seus integrantes, nada mais nada menos que Pixinguinha e Donga. A formação chamou a atenção da sociedade carioca e foi a primeira a também tocar no luxuoso Cine Palais.
Para a imprensa, a viagem do grupo de negros ao exterior era ruim para a imagem brasileira, em um momento em que teorias racistas incentivavam a vinda de europeus ao Brasil para o embranquecimento da população. Em meio a tudo isso, surge o sensato escritor e jornalista, Benjamim Costallat. Carioca que foi um dos únicos a reconhecer o talento e a defender os meninos desprivilegiados do Rio.

Gazeta de Notícias - Janeiro de 1922: "Foi um verdadeiro escândalo, quando, há uns quatro anos, os 'oito batutas' apareceram. Eram músicos brasileiros que vinham cantar nossas coisas brasileiras! Isso em plena avenida Central [atual Rio Branco], em pleno almofadismo, no meio de todos esses meninos anêmicos, frequentadores de cabarets, que só falam francês e só dançam tango argentino! No meio do intercionalismo dos costumeiros franceses, das livrarias italianas, das sorveterias espanholas, dos automóveis americanos, das mulheres polacas, do snobismo cosmopolita e imbecil! ... Não faltam censuras aos modestos 'oito batutas'. Aos heróicos 'oito batutas' que pretendiam, num cinema da avenida, cantar a verdadeira terra brasileira, através de sua música popular, sinceramente, sem artifícios nem cabotinismo, ao som espontâneo dos seus violões e dos seus cavaquinhos. "

É o livro Almanaque do Samba, de André Diniz, que traz essa nota do jornalista, Benjamim Costallat, homem sensato e um apreciador da música brasileira já no começo do século vinte, conjuntura de almofadismo e preconceitos.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Não sou de briga, mas estou com a razão

Na Barra Funda nunca mais eu voltarei/ Cantei meu samba, nunca mais eu trabalhei/ faz sete anos que eu vivo na malandragem/ quero trabalhar mas me falta coragem/ Tenho de tudo, até anel de doutor/ Trabalhar é pra relógio e eu não sou despertador/ sou malandro vestido, uso terno chapéu e sapato/ uma nega no basquete, dinheiro? comigo é mato

A música acima foi composta para que Germano Mathias participasse do programa Aì vem o pato, na Rádio Nacional de São Paulo. Madusca, Moleque Madureira, Barra Funda, ou Germano Mathias mesmo, frequentava as praças onde ficavam os engraxates atrás de uma boa rodada de tiririca com Mandião, Pato N´água, Jarrão, Café e Toniquinho Batuqueiro. Este último, muito sábio e observador, insistia que Germano fosse tentar a sorte nas rádios. Meio contrariado, ele comecou a frequentar o samba da Ipiranga com a São João. Lá, conheceu Odilon Araújo, que o convidou para o Aí vem o pato. Germano foi, mas quis compor sua música, "não queria ficar conhecido pela música dos outros". E aí veio Na Barra Funda, e aí ele virou artista de rádio e aí ele foi descoberto. E aí que ele tinha 20 anos e quem tem 20 anos tem que ter servido a sua pátria. ou tentado. e ele não tinha.

Barra Funda foi pro exército. Até que poderia ter sido duro. Acordar, 123, sim senhor, põe a farda, sim senhor, lava roupa, sim senhor, corre, 123, sim senhor, flexão, obedece soldado, vai pro xadrez, o sol nasce quadrado aí você sossega? que nada ...

Madusca no quartel era a mesma festa, samba toda hora. Até quando um colega chegou enfurecido, contando que viu sua nega abrindo a fresta da janela prum mocinho. Ele bateu como se fosse uma senha e ela espiou. Quebrou tudo, xingou a mulher, bateu no moço que falou da mulher, até quebrou a pia. Depois voltou pro quartel e pôs-se a chorar. Dormiu. E na cabeça de Germano, lembrou de Salvador Dali, e fez seu samba surreal.

Não sou de briga/ Mas estou com a razão/ Ainda ontem bateram na janela/ Do meu barracão/ Saltei de banda/ Peguei da navalha e disse/Pula muleque abusado/ Deixa de alegria pro meu lado/ Minha nega na janela/ Diz que está tirando linha/ Êta nega tu é feia/ Que parece macaquinha/ Olhei pra ela e disse/ Vai já pra cozinha/ Dei um murro nela/ E joguei ela dentro da pia/ Quem foi que disse/ Que essa nega não cabia?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Dica.

O portal IMS (Instituto Moreira Salles) disponibiliza mais de 100 mil gravações brasileiras a partir de 1902, data em que segundo o "Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira", foi gravada a primeira canção no Brasil, composta por Xisto Bahia e interpretada por Baiano - "Isto É Bom".
Outro destaque do portal é a canção "Pelo Telefone" escrita por Donga e considerada o primeiro samba gravado, em 1917, também na voz de Baiano.
Além de músicas raras como essas, o IMS também disponibiliza sucessos de Noel Rosa, Adoniran Barbosa e muitos outros nomes do samba. As gravações fazem parte da biblioteca de colecionadores como José Ramos Tinhorão e podem ser ouvidas em Windows Media Player e QuickTime, sem custo algum.

Vale a pena conferir - ims.bvs.br

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Filosofia dá samba (Por Gilberto Dimenstein)

*Por Gilberto Dimenstein


Por causa de um mutirão comunitário, a escola não fechou -inovações geradas ali estão sendo replicadas
PESQUISADOR DAS raízes do samba paulista, Renato Dias resolveu estudar, na Universidade de São Paulo, tupi-guarani apenas para compor letras de rap -daí nasceu o primeiro rap numa língua indígena de que se tem notícia. Voltou para a escola, agora como professor. De novo, com uma mistura inusual: samba com filosofia. "Nunca tive uma plateia tão atenta", orgulha-se ele. A mistura surgiu de uma notícia ruim, capaz de compor uma daquelas violentas letras de rap.

Agonizando numa longa crise, uma escola pública estava com data marcada para fechar as portas por falta de aluno. Renato imaginou que, talvez, aquilo pudesse acabar em samba - e acabou. Só não imaginou que daria tanto samba que o faria se transformar em professor. "Descobri um novo prazer na vida." Sem saber, iria fazer uma invenção em meio ao batuque.
Junto com André Luiz de Albuquerque Silva (Mestre Pio), Renato se dispôs a dar aulas sobre a história do samba naquela escola (Carlos Maximiliano), vizinha à estação Vila Madalena do metrô. Ambos integram o grupo Kolombo, que pesquisa os ritmos africanos em São Paulo e, por isso, estão conectados com compositores de samba das escolas paulistanas, especialmente os da velha guarda.

As letras das músicas provocavam, muitas vezes, reflexões durante as aulas. "O samba fala de todos os problemas que atingem aqueles estudantes", conta Mestre Pio, criado no bairro do Limão, cercado de cinco tradicionais escolas de samba. "Já nasci com um pandeiro na mão."
Decidiram experimentar a leitura de textos de filosofia, em meio a uma aula em que mostraram "Ronda", de Paulo Vanzolini, uma das mais exóticas misturas paulistanas -sambista, boêmio e zoólogo formado em Harvard.
Deu certo. Desde então, sempre que existe uma brecha, eles leem o texto de um filósofo; "Ronda", por exemplo, foi acoplada a um trecho de um livro de Nietzsche. Por causa de um mutirão comunitário, a escola não fechou e já tem fila de espera -inovações geradas ali, como o uso das salas vazias à noite para ensino técnico, estão sendo replicadas pelo governo estadual em mais 115 escolas. O que eles descobriram, diante do olhar atento das crianças, é que filosofia -agora matéria obrigatória nas escolas brasileiras- dá samba. O esforço da dupla será reconhecido publicamente. O Metrô decidiu homenagear, durante a entrega de novos trens, comunidades e os personagens que fazem a diferença na cidade. Renato Dias e Mestre Pio, que ajudaram a salvar uma escola pública, serão homenageados. E-mail: gdimen@uol.com.br


*Reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 20 de maio de 2009


Renato Dias - Mostrando a força das raízes do Samba Paulistano



Nascido em 1971, no Bairro do Brás, em São Paulo, o sambista respeita o samba como uma entidade. Realiza um trabalho de preservação da história do samba paulistano e está para lançar Antropofagia, um disco que reúne idéias antropofágicas do compositor paulistano, e sua visão do mundo na cultura brasileira, partindo de suas origens e permeando em questões contemporâneas.



Pelo Telefone

Para chegarmos a este riquíssimo quadro de sambas e sambistas paulistanos, passamos pelo Rio de Janeiro, ou, mais precisamente, "Pelo Telefone".
Nas primeiras páginas do seu livro A Construção do Samba, o historiador e romancista Jorge Caldeira mostra a importância do samba para a história do Brasil e a sociedade, a confusão indefinida de autoria do primeiro samba "Pelo Telefone" e a definição do samba como gênero musical, o que abriu portas para sua comercialização e para a profissionalização do músico.


“O chefe da polícia / pelo telefone / manda me avisar / que na Carioca / tem uma roleta / para se jogar”


Há quem leia este trecho e lembre da melodia da música de Gilberto Gil, "Pela Internet", que faz uma paródia fiel e moderna deste trecho de "Pelo Telefone".


"O chefe da polícia carioca / avisa pelo celular / que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar"


Mas a importância de "Pelo Telefone" vai muito além da paródia de Gil.
Discussões à parte - sobre sua autoria, o fato de ser o primeiro samba e até sobre o que inspirou a letra - "Pelo Telefone" marcou o ano de 1917.


Resultado também de uma paródia (a partir de uma reportagem publicada na época), a música lançou o samba no Brasil.


O autor do samba, ou pelo menos o mais provável, é Donga. Digo provável porque o próprio contradiz sua autoria, tendo dito umas vezes que foi inspirado pela reportagem, outras que nada tinha a ver com ela, e outras que não frequentava a casa da Tia Ciata (local onde o samba vinha sendo tocado informalmente, reunindo nomes como Pixinguinha, Sinhô, João da Baiana, entre outros, e de onde teria saído o "Pelo Telefone").

Donga registrou o samba na Biblioteca Nacional, como único compositor, omitindo inclusive a participação de Mauro de Almeida um dos parceiros na letra, mas que aparece aqui como “mero coadjuvante”. E Donga soube tirar proveito pessoal da música.

Deixando as confusões sobre a autoria de lado, o fato é que “Pelo Telefone” abriu os caminhos para o samba. Foi ela que permitiu a definição da origem e a caracterização do gênero.



Pelo Telefone


O chefe da folia pelo telefone manda me avisar

que com alegria não se questione para se brincar

O chefe da folia pelo telefone manda me avisar

que com alegria não se questione para se brincar

Ai, ai,ai, deixa as mágoas para traz, o rapaz

Ai, ai,ai, fica triste se és capaz e verás

Ai, ai,ai, deixa as mágoas para traz, o rapaz

Ai, ai,ai, fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes

Não tornes a fazer isso,

Tirar amores dos outros

Depois fazer seu feitiço

Tomara que tu apanhes

Não tornes a fazer isso,

Tirar amores dos outros

Depois fazer seu feitiço

Olha a rolinha, sinhô, sinhô

Se embaraçou sinhô, sinhô

Caiu no laço sinhô, sinhô

do nosso amor sinhô, sinhô

Porque este samba sinhô, sinhô

É de arrepiar sinhô, sinhô

Põe perna bamba sinhô, sinhô

Mas faz gozar

O chefe da polícia pelo telefone, manda me avisar

Que na carioca tem uma roleta , para se jogar

O chefe da polícia pelo telefone, manda me avisar

Que na carioca tem uma roleta , para se jogar

Ai, ai,ai, deixa as mágoas para traz, o rapaz

Ai, ai,ai, fica triste se és capaz e verás

Ai, ai,ai, deixa as mágoas para traz, o rapaz

Ai, ai,ai, fica triste se és capaz e verás

Tomara que tu apanhes

Não tornes a fazer isso,

Tirar amores dos outros

Depois fazer seu feitiço

Tomara que tu apanhes

Não tornes a fazer isso,

Tirar amores dos outros

Depois fazer seu feitiço

Olha a rolinha, sinhô, sinhô

Se embaraçou sinhô, sinhô

É que a vizinha sinhô sinhô

Nunca sambou sinhô sinhô

Porque este samba sinhô sinhô

É de arrepiar sinhô sinhô

Põe perna bamba sinhô sinhô

Mas faz gozar

quarta-feira, 20 de maio de 2009

"O samba é samba em qualquer lugar"


Ontem, dia 19 de maio, estivemos no Ó do Borogodó com Dona Inah. Sambista paulistana desde a década de 50, Dona Inah, aos 74 anos, acaba de lançar seu segundo álbum “Olha Quem Chega”, no qual gravou apenas composições de Eduardo Gudin, sambista também paulistano, que segundo a cantora “é uma referência como compositor, além de ser uma pessoa admirável”.
Questionada sobre o samba paulistano e o carioca, Dona Inah foi sucinta na resposta “Aqui tem muito mais chorão do que samba, mas o samba sempre existiu em todos os Estados, só muda a forma”. A paulistana também explicou que os desamores e as desilusões da vida ajudaram o samba a crescer. “Os compositores competiam entre si para ver quem explicava melhor o momento triste, isso resultava em boas letras e em novas batucadas”.
Dona Inah, diferente do que muito se ouve, disse nunca sentir resistência no samba por ser mulher. “Sempre fiz ótimas parcerias tanto com compositores daqui quanto com os cariocas, fiquei afastada do samba porque trabalhava a noite”.
A cantora acredita que o samba nunca vai acabar, pois novos nomes estão surgindo, em estilos diversos, mas com o intuito de expandir esse universo das batucadas. “Hoje tem muitas mulheres no samba e acredito que elas precisam lutar bastante para conquistar o público, porém já vejo que muitas delas vão perpetuar o samba antigo, o samba de raiz”. Dona Inah também elogiou o talento de Mariana Aydar, um novo nome do samba paulista, e afirmou que ela certamente será um mulher do samba.
Com o lançamento do segundo álbum, Dona Inah fez uma turnê pela Europa, onde foi muito bem recebida. “Apesar deles não entenderem as letras, gostam de samba, porque querem dançar, o ritmo contagia eles”. Cheia de charme e timidez, ao perguntarmos sobre composições próprias, a paulistana nos revelou um segredo e talvez um grande desejo. “Tenho algumas composições sim, mas nunca cantei, tenho vergonha, quem sabe um dia gravo um cd só com as minhas canções. Por enquanto, interpreto as pessoas que admiro, como o Gudin”.
Encerramos o nosso bate-papo, porque a platéia, que lotava as mesas expostas na casa, estava ansiosa para ouvir a estrela da noite. Quem quiser conferir essa simpatia, ela está presente todas as terças-feiras, às 22h30, no Ó do Borogodó.

Serviço:

Ó do Borogodó
R. Horácio Lane, 21 – Pinheiros – Oeste. Telefone: (11) 3814-4087
Aceita os cartões Master e Visa. Ingresso: R$ 15.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Tiririca

Ler Sambexplícito – As vidas desvairadas de Germano Mathias, de Caio Silveira Ramos é ter uma aula do samba paulista. O texto flui em ritmo e letra de samba, e assim como numa roda de samba, quando você entra não consegue sair mais. Já nos capítulos iniciais, o autor nos apresenta a tiririca, espécie de capoeira em que um dos participantes tenta derrubar o outro dentro da roda, enquanto o samba corrre solto. A narrativa nos leva para dentro do jogo, e apresenta Madusca, o Branquinho Pixaim que no meio dos engraxates da Praça da Sé, atraía clientes e quem mais passasse para sua arte na tiririca.

“É chegar e ver. A Catedral prontanãopronta no fundo, a batucada no chão, engraxates trabalhando, caprichando no pé do freguês, competindo lustro e no batuque. É escova virando tamanco, costa com costa, barulho de madeira fazendo toquetiquitiquitoque. É a caixa, moleque sentado em cima, mão sincopando, tuntunchiquituntum. (...) É a lata de graxa, escovinha tamborilando tintinquichiquitim. E forma a roda. Engraxate sem freguês, se chega no outro. Freguês chega mais para ver e admirar que lustrar o pisante. E o batuque comendo solto. A roda formada. Os dois no centro da roda, ginga, gingando, negaceia, finge que vai, mais não vai, o outro também. Pernada de um lado, pernada do outro, saracoteando, saltando de banda, pinoteio pro lado, mão no chão, rasteira. É a tiririca, capoeira aqui se chama assim. Aqui, Sé. E também no Largo da Banana, República, Praça Clóvis, Rua Direita e onde tiver engraxate. (...)

Foi aliquando que o moleque descaminhado chegou, enfeitiçado, enfeitiçando, ninguém viu como e onde. Chegou. Olharam e ele já estava lá, a voz trazendo pra roda os sambas de rádio, as mãos encontrando a lata de graxa e desenhando no céu da praça o gingado incontrolável. E olha a perna voando. E olha os pés rabiscando o chão, traçando dribles de pernas engranitadas. É ele, roubando a roda, roubando o sossego dos engraxates: agora chega!(...) O freguês não resiste, quer ver aquele zureta, sarará maluco. Branquinho Pixaim. (...)

Entra em transe, a voz arrebentada, quer é brincar com a lata de graxa, derrubar o ouvinte que passa com os negaceios da voz. Fulano pensa que o som vai para lá, mas vai além de lá e quando vai, volta, derruba. As palavras cantadas vão derrubando os valentes. As palavras se quebram, requebram, se misturam. Chafurdagem de palavras e sons. E nascem outras palavra, outros sons do canto do Branquinho Pixaim.É assim que ele derruba mais. Sincopando o ar que lhe sai da boca. Ninguém sabe como aprendeu,já era”.



Saravá, Germano Mathias !

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Caco Velho - O Sambista Infernal

















"De manhã, temendo que me achasses feia / Acordei tremendo, deitada na areia / Mas logo teus olhos disseram que não / E o sol penetrou no meu coração / Vi depois numa rocha uma cruz / E o teu barco negro dançava na luz / Vi teu braço acenando entre as velas já soltas... / Dizem as velhas da praia / Que não voltas - São loucas, são loucas! Eu sei, ó meu amor, que nem chegastes a partir / Pois tudo em meu redor me diz / Que estás sempre comigo" (Barco Negro - Caco Velho)


Poucos sabem, mas Caco Velho foi a grande inspiração do mestre do samba paulistano Germano Mathias. Aquele samba sincopado, adiantando e atrasando o compasso, o improviso e a sonorização da cuíca com a própria voz são herança (ou inspiração) do samba de Caco Velho. Em suas letras, Caco ironizava situações cotidianas, sempre com pitadas de bom humor e malandragem. Sua história é pouco conhecida e seu nome quase nunca é lembrado. Apesar da origem em Porto Alegre, foi uma das principais influências do samba paulistano. A seguir, um breve resumo da vida do sambista infernal.


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Em 1934, a música Caco Velho (Ary Barroso) fazia sucesso nas rádios na voz de Elisa Coelho, uma das principais interprétes das letras de Ary. Matheus Nunes, um garoto de não mais que quinze anos, trabalhava no café Florida, em Porto Alegre.

O gaúcho Paulo Coelho observava o menino que repetia incessantemente enquanto batucava caixinhas de fósforo num tabuleiro: "mas hoje é um caco velho/ que não vale nada/ tem a cabeça branca e a pele encarquilhada". Em uma das noites, o pandeirista que tocava com Paulo faltou e ele chamou o menino para ajudar no samba com uma das suas principais habilidades. Outro dia, faltou o crooner (cantor), e o menino que cantava Caco Velho entrou de novo. Não quer dizer que Caco aprendeu a cantar ou tocar porque tinha que substituir alguém. Talento ele tinha, só faltava mesmo um empurrãozinho.

No final dos anos 30, já participando da Rádio Difusora e voz e violão do conjunto Regional de Piratini (ou Conjunto Regional Brasileiro), Caco viajou com o grupo para Argentina, Chile e México. Vale destacar que uma das apresentações teve transmissão direta para Hollywood.

Ele fez parte de outros conjuntos, e era considerado pela imprensa gaúcha o pandeirista nº1 de Porto Alegre. Humilde e bem humorado, ao retornar de um visita ao Rio de Janeiro, ele fugiu das especulações sobre uma possível ida para os Estados Unidos e convites para estrelas filmes, contando que "a viagem não foi nada demais. Fizemos uma rodinha e o pandeiro começou. Depois veio um Walt Disney, dizendo tudo em inglês...". Alguns depois, surgiram comentários de que o pandeiro do personagem Zé carioca era uma alusão - ou homenagem – às caretas e aos pés virados para dentro de Caco.

Sâo Paulo

Em 1942, Caco veio para São Paulo, seguindo exemplo de outros sambistas do Sul que conseguiram emprego em casas noturnas da capital. Em uma de suas aparições, Caco foi convidado por Demerval Costalina, da Rádio Tupi, a "dar uma passada" nos estúdios da Rádio Tupi. Ele foi, e após a cantoria no Batucada Paulista, ganhou apelidos como o Sambista Infernal e O Homem com a cuíca atravessada na garganta. O primeiro disco veio logo em seguida, 1944, pela Odeon, com os sucessos Briga de Gato e Maria Caiu do Céu.

Além dos atributos no pandeiro, na voz e na composição de sambas, Caco atuou nos filmes Carnaval Atlântida, Mulher de verdade e Carnaval em lá maior. Foi para Paris, cantou no cabaré La Macumba, e retornou dois anos depois, em 1957, para inaugurar sua casa noturna, Derval bar. Em 60 abriu o Brazilian´s Bar, e partiu com a banda homônima para os EUA, e em seguida para Lisboa, se apresentando em teatros, televisões e programas de rádio.

Naquele tempo, a Bossa Nova e a Jovem Guarda começaram a despontar na preferência musical no País, e as influências do exterior também se mostravam um concorrente para o estilo de Caco. O radialista Kalil Filho, da Tupi, chegou a sugerir uma influência da Bossa Nova no disco Comendador da Bossa Nova, gravado em 1963. Realmente, em algumas gravações o sambista se deixava levar pelo ritmo do violão, mas a verdade é que a Bossa é quem deve agradecer ao sambista, conhecedor do sucesso do movimento: dominar o ritmo e subjugá-lo¹.

Em 1969, Caco recebeu o diagnóstico de um câncer, retornando ao Brasil. Os tempos já eram outros. Ele reclamava dos cachês e dizia que o povo estava menosprezando a musica nacional, só queriam saber do iê-iê-iê. Dois anos depois, a doença o levou, mas sua originalidade e seu samba vainãovaijáfoi animam as rodas até hoje.

Suas principais composições são Barco Negro, Mãe Preta, Não bobeie Kalamazu e Não faça hora.


Leila Pinheiro e Eduardo Gudin, no SESC Pinheiros

Ele: Compositor de letras riquíssimas, melodia sofisticada e adorador dos cantos de São Paulo. Garoto prodígio, começou a construir sua obra aos 13 anos, aprensentando-se entre gigantes como Gil e Chico, no Fino da Bossa. Admirado por seus 40 anos de carreira e suas letras incríveis.

Ela: Paraense de voz suave e bom gosto. Famosa por gravar as mais bonitas composições de consagrados nomes como: Ivan Lins, Gonzaguinha e Eduardo Gudin.

Os dois: Parceiros de longa data, desde o Festival dos Festivais, de 1985, Eduardo Gudin e Leila Pinheiro encontram-se agora para o lançamento do novo CD "Pra Iluminar".

O show é dedicado à obra de Gudin e vai emocionar a todos que tem coração com sambas popularmente sofisticados, canções de amor e canções dedicadas ao Brasil como Paulista, Ainda Mais, Praça 14 bis, entre outras.

SESC Pinheiros
Dias: 6 de junho às 21h, e 7 de junho às 18h

Ingressos à venda na Rede SESC.
R$ 30,00 - Inteira
R$ 15,00 - Usuário matriculado no SESC e dependentes
R$ 7,50 - Trabalhadores no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes





domingo, 10 de maio de 2009

Apresentação

"São Paulo é o túmulo do samba". Que nos desculpe o grande poeta, Vinícius de Morais, mas não é não. São Paulo tem sim grandes nomes: Adoniran Barbosa, Germano Matias, Osvaldinho da Cuíca, Geraldo Filme, Gudin, Vanzolini e muito mais. O malandro também mora aqui, a cidade não pára, a boemia não descansa e o samba não acaba...

Este blog foi criado com um único objetivo: a troca de informações, já que acreditamos no coletivo, na diversidade e na expansão do conhecimento. Vamos mostrar as raízes e a tradição do samba paulistano, suas vertentes, apresentações, composições e onde encontrá-los nos dias de hoje. Todas as idéias servirão de apoio para um projeto em desenvolvimento, um livro reportagem para homenagear e eternizar o samba da capital.
Sejam bem vindos.