sexta-feira, 6 de novembro de 2009

maria esther - a maria do samba

Como já contamos por aqui, criamos esse blog para falar sobre o samba de São Paulo por conta do nosso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Enquanto desenvolvíamos o projeto, percebemos que se sobre o samba paulista há poucos registros, menos ainda sobre a presença das mulheres nas rodas.
Assumimos o desafio de buscar personagens que vivem para, do e pelo samba. Conhecemos jovens, senhoras, crianças, cada uma com um motivo diferente para justificar a sua paixão e envolvimento. Já estamos na reta final do livro-reportagem, mas há algumas semanas nos deparamos com um personagem que participação no livro é essencial, como foi na história do samba.
Maria Esther Camargo Lara, Maria do Samba, Dona Esther. Fomos até Pirapora do Bom Jesus, uma das cidades que samba paulista começou se desenvolver, para conhecer a simpática, doce e geniosa mulher.

Chegamos na cidade por volta das 10h e fomos procurar a casa de Esther. Ela não nos deu o endereço, disse que era só perguntar na rua que todos sabiam onde morava a Maria do Samba. Depois de abordar alguns moradores, encontramos a casa vinho, com moldura em azul e janelas fechadas. Na porta, um oratório, com enfeites de natal, miniaturas de violões e máscaras de carnaval penduradas.

Depois de algumas palmas, ela nos atende. Rosto carregado de maquiagem, sobrancelhas perfeitamente traçadas por um delineador, brincos, anéis e roupas elegantes, mas gastas pelo tempo. Explica que prefere um lugar mais calmo para a entrevista e sugere a casa de uma amiga. Segundos depois muda de ideia e sugere um pesqueiro e restaurante para o bate-papo. “É longe, mas é pertinho, em uma hora estamos lá”.
Durante o caminho, Esther vai mostrando os pontos turísticos e contando um pouco sobre a história da cidade.Ela nos apresenta o lugar com tamanha intimidade que parece ser a anfitriã. Depois de prometer ao dono que volta para o almoço, seguimos para a beira do rio e começamos o bate-papo. Sentada no chão, ela parece à vontade, mas não larga a sua bolsa e uma sacola com alguns textos sobre a história do samba, que ela mesma escreveu.

Longe dos vizinhos, ‘todos fofoqueiros’, a sambista fala baixo. A história do samba paulista se mistura completamente com a dela e seguir uma ordem cronológica fica praticamente impossível. É difícil precisar as datas reveladas por ela, pois todos os momentos memoráveis aconteceram aos 15 ou 16 anos e pouquíssimo dessa história foi documentado por estudiosos e pesquisadores.

Esther conta da dificuldade que tinha com o pai, um “caipirão”. A rainha apanhava de vara de marmelo quando surpreendida nos barracões, faltando à escola para acompanhar as batucadas. Em uma de várias surras, um dos músicos do barracão intercedeu pela garota. “Não bate na menina, deixe ela ficar aqui”, pediu ao pai de Esther, que tinha apenas 12 anos e diversas marcas das surras que levara com a vara. Mesmo havendo preconceito com a presença de brancos no local, os negros ficaram com dó de Maria Esther e a deixavam entrar no samba.

Na mesma época, ela conheceu Honorato Missé, fazendeiro branco e de muita influência local. Frequentador da festa e também das batucadas, Honorato Missé resolveu desenvolver um novo batuque, que Esther chama de samba de branco, conhecido posteriormente como samba de bumbo. Vendo a participação ativa da menina nas rodas, Missé a convidou para participar desse desenvolvimento e não demorou para que ela logo estivesse nas danças com o bumbo ou com chocalhos e colheres.

No inicio, Esther não sabia os passos e imitava as coreografias feitas nos barracões. “Eu não sabia dançar, só mexia a bunda, como tinha aprendido com as negras”. Da convivência com essas mulheres, a sambista também herdou a fé na Umbanda. Apesar da família tradicionalmente católica, as influências a levaram a ser mãe de santo. Foi numa das festas que ela conheceu Madrinha Eunice, fundadora da primeira escola de samba da cidade de São Paulo, a Lavapés.

Em 1994, Esther fundou o grupo Samba de roda, uma das atrações principais da festa de Bom Jesus do Pirapora, no mês de agosto. Nas apresentações, as mulheres dançam e mexem suas saias, algumas até se arriscam nos instrumentos, mas a predominância é masculina.

A simplicidade se revela também no modo de comer. Ela só usa colher e come com muita calma, em meio às brincadeiras com a cozinheira do lugar. Quando a moça se distrai, Esther abre a sacola plástica e despeja toda a comida que estava em seu prato. “É para o jantar. Ou para o meu vizinho. Coitado, ele passa muita necessidade”.

Voltando para a cidade, Esther apresenta o Espaço Cultural Samba Paulista Vivo Honorato Missé, casa simples que, além de abrigar fotos dos romeiros que visitavam a cidade e as primeiras festas nos barracões, tem na entrada um busto de uma das principais representantes do samba em Pirapora: Maria Esther Camargo Lara.

A casa está cheia, e assim que ela chega, o samba vira segundo plano. As atenções se voltam para ela. Muito simpática, tira fotos, abraça alguns participantes e dança. Uma presença típica de rainha. Quem a vê rodando a saia percebe que a menina que fugia aos barracões ainda comanda o rebolado da senhora.
* agradecimento especial para Renan Rodrigues!

Um comentário:

  1. Muito bom...

    Cada vez mais interadas ein meninas, Parabéns!!!


    ps. Obrigado pelos votos Lu, Saúde Paz e Som a todos nós!


    Beijos e Abraços a vocês!


    Rogério Stocco

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