quinta-feira, 30 de julho de 2009

São filhos e são o que são

Durante nossos poucos meses de estudo sobre o samba, temos notado que, em muitos casos, o samba é um "mal de família", no melhor sentido que a expressão possa ter. Talvez um pouco mais que em outras vertentes musicais.

Fala-se muito de Fulano de Tal que é filho de Beltrano e Ciclana e ainda há uma hipócrita idéia de que se não fosse pelas suas raízes ou pela família em que nasceu, tal pessoa não teria chegado onde chegou.

Acreditamos que talvez não mesmo, e isso é positivo!!!

Talvez se Diogo Nogueira não fosse filho de João Nogueira, não teria chegado nem perto do universo musical do qual seu pai fazia parte. Apesar do dom, pode ser que não tivesse se interessado pela música, não fosse pelas reuniões musicais que presenciou desde menino. Não teria conhecido os filhos de Baden Powell e de Mestre Marçall, que também poderiam não ter aguçado sentimento nenhum pela música, não fosse pelos assobios constantes de seus pais.

Se Mariana Aydar (entrevista abaixo) não tivesse os pais que tem, talvez não teria a oportunidade de se dedicar a música e pior, poderia não ter tido o incentivo que teve em casa, coisa que, dentro deste contexto, me parece fundamental para o sucesso em qualquer carreira.

No caso da filha de Elis Regina, o papo foi outro. Passou do "Maria Rita só faz sucesso porque é filha de Elis Regina e César Camargo Mariano" para "ela imita o estilo da mãe". Hoje é sucesso incontestável e mostra a contradição crítica do brasileiro: Como ela poderia ter sucesso se não fosse realmente boa? A aprovação vem exatamente da boca que critica!

Benditos são aqueles que nasceram em berço musical e foram ninados ao som de canções compostas pelos próprios pais.

Devemos nossos aplausos às familias em que a música passa de geração pra geração e a estes jovens que tem orgulho de vir de onde vieram e passar adiante tudo o que aprenderam, com um brilho único. O "azar" é deles!

Abaixo, um texto sobre Diogo Nogueira, de Sérgio Cabral, provando mais uma vez que o talento vai muito além da herança genética.



*Por Sérgio Cabral

Ao fazer seus songbooks, Almir Chediak queixava-se da falta de grandes cantores das novas gerações. Nas últimas décadas, enquanto nossa música produzia uma fartura de cantoras, os cantores apareciam como se fosse em conta-gotas, sendo alguns deles compositores que se transformavam em grandes intérpretes, como foi o caso, por exemplo, de Milton Nascimento, Caetano Veloso e João Nogueira. Eis que, em pleno alvorecer do século XXI, somos contemplados com Diogo Nogueira, um intérprete que não é apenas um dos maiores cantores de sambas de todos os tempos, mas um dos nossos melhores cantores da música popular brasileira. E um compositor com uma bela carreira pela frente.

O magnífico DVD com o espetáculo realizado no Teatro João Caetano, no Rio, mostra que ele vai além do DNA, pois herdou aquela voz maravilhosa que levou o mesmo Chediak a convidar João Nogueira a cantar em quase todos os songbooks e enriquece suas interpretações com uma postura de palco que nem o pai possuía. É mais bonito, é verdade, mas não é apenas isso. Diogo Nogueira é dotado daquele misterioso talento que faz o espectador acreditar que ocupa o palco inteiro, mesmo quando aparece sozinho. É realmente um mistério, um brilho especial conferido a raros cantores, como, por exemplo, Carmen Miranda e o já citado Caetano Veloso.

Diogo honra o sobrenome. Aliás, que momento emocionante do espetáculo é aquele em que ele e Marcel Powell interpretam Violão vadio, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro. A gente fica absolutamente convicto de que os pais deles continuam entre nós, como a confirmar o velho aforismo de Hipócrates de que a vida é breve, mas a arte é longa. Ou, para não ir tão longe, há cerca de quatro séculos antes de Cristo, cito o contemporâneo Ataulfo Alves, para quem “morre o homem e fica a fama”. Ou, ainda, morre o homem, ficam os filhos, digo eu. Afinal, no mesmo show estão os filhos de João Nogueira, de Baden Powell e do Mestre Marçal, Marçalzinho, que brilha na percussão como o pai e o avô, o grande Armando Marçal.

Em dois clássicos de João Nogueira, Do jeito que o rei mandou e Nó na madeira, Diogo divide o palco com Marcelo D2, um artista de grande número de admiradores e que, como criador, tem na cabeça a forma importada dos Estados Unidos e, no coração, o legítimo samba brasileiro. São os efeitos da globalização. Outro que se apresenta ao lado de Diogo Nogueira é Xande de Pilares, do grupo Revelação, na música Cai no samba, umdos sambas inéditos mais aplaudidos do espetáculo. Seu autor é o jovem Ciraninho, um dos parceiros do Diogo no samba-enredo da Portela de 2007. Aliás, Diogo Nogueira não comparece apenas com músicas já conhecidas do público. Ele contribui também com vários sambas inéditos, sendo dois deles de sua autoria. Para cantar os sambas antigos e novos, ele teve o bom senso de dividir o palco também com o que há de melhor em matéria de músicos de samba, a começar por Alceu Maia no cavaquinho, arranjos e produção musical, Dirceu Leite nos sopros e o coro formado por Analimar e Jussara Lourenço.

Os apaixonados pela nossa música somos gratos aos responsáveis pelo lançamento desse DVD.

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