quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Samba mulherão

O segundo capítulo do nosso livro terá a temática do machismo, se o samba apresenta traços de uma cultura com valores mais “masculinos” ou não. Não pretendemos cravar nenhuma teoria, e sim questionar a existência de uma resistência ao trabalho feminino no samba e apresentar mulheres que se destacam nas rodas de samba – sejam musas, compositoras, intérpretes ou instrumentistas.
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Para fomentar essa discussão, publicamos aqui matéria divulgada na Folha de S. Paulo de ontem, dia 8 de setembro, sobre a cantora Dhi Ribeiro. Além do preconceito dos autores com “cantoras de famílias endinheiradas” que “cantam aquele sambinha cool, bem comportado e masculino um tanto retrô que a mídia culta adora” (tema já discutido aqui, e que em nossa opinião o “azar é só deles”), notamos certa oposição ao perfil de Dhi.
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Assim como Alcione, a cantora assume o papel de mulherão e mostra que pode sim, falar de seus desejos e satisfações como qualquer bom sambista homem faz. A reportagem ainda faz comparação com as funkeiras, que falam sem pudor sobre as regras que os homens tem que seguir para conquistá-las. Se essa barreira já foi quebrada no “pancadão”, porque não poderia vir para o samba, uma cultura democrática? Existe algum impedimento de que as letras sejam mais ousadas? Ou será que só os homens podem listar as mulheres que já se relacionaram e o que mais os agradou em cada uma delas?

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- a seguir, reportagem da Folha de S. Paulo do dia 8 de setembro, publicada na Ilustrada.







Samba mulherão
Seguidora de Alcione, a estreante Dhi Ribeiro expõe voz feminina do samba e mostra afinidades com "cachorras" do funk
Carioca criada em Salvador e radicada em Brasília, Dhi Ribeiroacaba de lançar "Manual da Mulher", seu álbum de estreia

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MARCUS PRETO DA REPORTAGEM LOCAL
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A mulher em primeira pessoa. Não umazinha qualquer, mas a do tipo dominadora, que dita as regras que "seu homem" terá de seguir à risca se quiser continuar ali, desfrutando da felicidade de sua companhia. E que, em contrapartida, não tem o menor pudor em dividir com o mundo, letra por letra, todo o bem que ele faz por ela -principalmente na cama.Esses traços de personalidade não são muito diferentes dos que têm servido, nos últimos 20 anos, para descrever as devoradoras vozes femininas do funk carioca. Mas a moça aqui é outra. Um pouco mais recatada, fica no meio do caminho entre a "cachorra" funkeira e a fêmea de Chico Buarque.

Nascida em Nilópolis (RJ), criada em Salvador e radicada em Brasília, Dhi Ribeiro, 43, é o mais novo exemplar dessa espécie tão rara fora do universo do pancadão. Ela acaba de lançar "Manual da Mulher", seu álbum de estreia. Faz samba e tem Alcione como matriz.Talvez venha daí a abismal diferença entre ela e suas colegas de geração -Roberta Sá, Mariana Aydar ou Céu, por exemplo. Cantoras nascidas em famílias endinheiradas, bebem invariavelmente em fontes masculinas - e "cultas"- do samba: Paulinho da Viola, Cartola, Nelson Cavaquinho etc."Tento cantar minha história de vida", diz Dhi. "O samba está se elitizando muito, virando música de universitário -como foi a bossa nova. Quando era menina eu ouvia Agepê e amava. Por que agora a gente só pode ouvir Noel Rosa?""Esse filé maravilhoso que é meu bofe/ Quando me toca, a minha alma quase voa/ Meu menestrel diz que me ama em cada estrofe/ Quer sempre bis, me quer feliz, com a pele boa." Alguém imaginaria alguma das discípulas de Marisa Monte cantando versos como estes?Eles foram escritos por um homem, Paulinho Resende, 59 -o mesmo que vem abastecendo Alcione com material parecido desde pelo menos "Menino Sem Juízo", de 1979, e que já criou para ela verdadeiros clássicos do "samba mulherão", como "A Loba" e "Meu Ébano".O compositor ressalta o teor político que pode haver embaixo deles. "É uma espécie de um escudo, de autodefesa feminina", diz. "Apesar de estarmos em 2010, a mulher ainda é muito agredida -física e psicologicamente. Quando canta essas coisas, está revidando a isso."Não por acaso, também é dele a letra de "Eu Não Domino essa Paixão", samba que abre "Acesa", o novo álbum de Alcione.

Entre o samba e o tango, termina com os quase submissos versos: "Ele me confessou: depois de um botequim, de um chope, um futebol, um samba, enfim.../ Que o seu maior prazer é voltar pra mim". Como assim? O mulherão está manso?"Não. É uma submissão consentida", rebate Alcione. "Tenho que cantar para mulheres como eu as coisas que elas dizem para seus homens -ou, pelo menos, as coisas que gostariam de dizer. Ninguém teria coragem de cantar essas coisas há 30 anos." Nem têm hoje, ao menos em terreno sambista.

Quando foi entrevistada para essa reportagem, Alcione ainda não conhecia o trabalho de Dhi -sua primeira e, até agora, única discípula. Mas não se mostrou espantada com o fato de finalmente ter se tornado influência para a nova geração.Por que tanta demora para que isso acontecesse? "Essas meninas [as cantoras] são muito novas", disse. "Com o tempo vão se atrevendo a impor nossa vontade. Dizer que nós também temos querer, temos nossa maneira própria de amar. Sabe aquela frase que diz que é preciso endurecer, mas sem perder a ternura? É isso aí."
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Crítica
Novata escapa do "padrão Marisa Monte"
RODRIGO FAOUR ESPECIAL PARA A FOLHA

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Alcione fez escola. Ainda bem! Não deixa de ser um alívio, pois parece que quase todas as cantoras que aparecem na MPB de hoje são genéricas de Marisa Monte. Só cantam aquele sambinha cool, bem comportado e masculino um tanto retrô que a mídia culta adora, mas que não comunica bem, não convence. Dhi Ribeiro, assim como a Marrom, canta a alma sexy-suburbana da mulher do povo com direito a gírias gays, voz potente e sangue negro. Esse jogo de sedução, aliado à sua voz forte intuitiva, tem um pouco daquela "sujeira" que está faltando à MPB contemporânea e apesar de uma forçação de barra ou outra mais apelativa de algumas letras que canta, suas mensagens soam verdadeiras.

O problema é que esse personagem que Dhi encarna pode até convencer principalmente nas quatro primeiras faixas, mas vai se perdendo até chegar ao final do CD. Aí entram sambinhas que repisam aqueles velhos clichês do gênero. Seguem alguns exemplos deles: "Chora que chorar faz bem", "Marinheiro me diz o segredo: por que tu não tens medo do mar?". Outros: "De que me vale o poder se tens o dom de encantar", "Já não sei cantar, nem falar de amor/ Choro pra abafar a dor". E aí a gente fica sem saber em que time joga a Dhi. Não que ela tenha de encarnar apenas uma personagem, mas fato é que ela ainda não parece versátil o suficiente em transmitir mensagens tão díspares: ser a mulher poderosa e tigresa em algumas e a bem comportada sofredora resignada em outras ainda que, verdade seja dita, transformar um amontoado de clichês em emoção verdadeira também não é nem um pouco fácil.

Alcione até consegue, mas Alcione é hors concours. Talvez seja um problema de produção, arranjo, de tentar moldá-la no estilo dos discos da Marrom. Fato é que ainda lhe faltam nuances de interpretação. Às vezes a música pede suavidade, languidez, grito. E será mesmo que Dhi é uma sambista? Ou cantaria melhor outros gêneros também? Avaliando isso, ela terá mais chances de se tornar uma intérprete ainda mais interessante. Pelo menos, ela canta com o útero. Porque dessas cantoras novas que cantam sem uma gota de suor e são apáticas sexualmente ou do gênero "sapa-folk", desprovidas de glamour, ninguém agüenta mais.
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MANUAL DA MULHER
Artista: Dhi Ribeiro
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: regular
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RODRIGO FAOUR é pesquisador musical e autor do livro "História Sexual da MPB" (ed. Record)

* foto retirada do site samba-choro




Um comentário:

  1. Salve Samba em Sampa... Lu, Re e cia!

    Parabéns pelo Blog e pela grandiosa iniciativa de vosso trabalho!
    É gratificante para nós paulistas e paulistanos descobrir e conhecer novos trabalhos que visam resgatar nossas tradições e fortalecer a memória cultural de nossa cidade.

    Grande prazer conhecê-las... continuem com as pesquisas e nos procurem quando puderem, as portas estarão sempre abertas.


    Beijos e Abraços

    Rogério Stocco

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