quinta-feira, 21 de maio de 2009

Filosofia dá samba (Por Gilberto Dimenstein)

*Por Gilberto Dimenstein


Por causa de um mutirão comunitário, a escola não fechou -inovações geradas ali estão sendo replicadas
PESQUISADOR DAS raízes do samba paulista, Renato Dias resolveu estudar, na Universidade de São Paulo, tupi-guarani apenas para compor letras de rap -daí nasceu o primeiro rap numa língua indígena de que se tem notícia. Voltou para a escola, agora como professor. De novo, com uma mistura inusual: samba com filosofia. "Nunca tive uma plateia tão atenta", orgulha-se ele. A mistura surgiu de uma notícia ruim, capaz de compor uma daquelas violentas letras de rap.

Agonizando numa longa crise, uma escola pública estava com data marcada para fechar as portas por falta de aluno. Renato imaginou que, talvez, aquilo pudesse acabar em samba - e acabou. Só não imaginou que daria tanto samba que o faria se transformar em professor. "Descobri um novo prazer na vida." Sem saber, iria fazer uma invenção em meio ao batuque.
Junto com André Luiz de Albuquerque Silva (Mestre Pio), Renato se dispôs a dar aulas sobre a história do samba naquela escola (Carlos Maximiliano), vizinha à estação Vila Madalena do metrô. Ambos integram o grupo Kolombo, que pesquisa os ritmos africanos em São Paulo e, por isso, estão conectados com compositores de samba das escolas paulistanas, especialmente os da velha guarda.

As letras das músicas provocavam, muitas vezes, reflexões durante as aulas. "O samba fala de todos os problemas que atingem aqueles estudantes", conta Mestre Pio, criado no bairro do Limão, cercado de cinco tradicionais escolas de samba. "Já nasci com um pandeiro na mão."
Decidiram experimentar a leitura de textos de filosofia, em meio a uma aula em que mostraram "Ronda", de Paulo Vanzolini, uma das mais exóticas misturas paulistanas -sambista, boêmio e zoólogo formado em Harvard.
Deu certo. Desde então, sempre que existe uma brecha, eles leem o texto de um filósofo; "Ronda", por exemplo, foi acoplada a um trecho de um livro de Nietzsche. Por causa de um mutirão comunitário, a escola não fechou e já tem fila de espera -inovações geradas ali, como o uso das salas vazias à noite para ensino técnico, estão sendo replicadas pelo governo estadual em mais 115 escolas. O que eles descobriram, diante do olhar atento das crianças, é que filosofia -agora matéria obrigatória nas escolas brasileiras- dá samba. O esforço da dupla será reconhecido publicamente. O Metrô decidiu homenagear, durante a entrega de novos trens, comunidades e os personagens que fazem a diferença na cidade. Renato Dias e Mestre Pio, que ajudaram a salvar uma escola pública, serão homenageados. E-mail: gdimen@uol.com.br


*Reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 20 de maio de 2009


Renato Dias - Mostrando a força das raízes do Samba Paulistano



Nascido em 1971, no Bairro do Brás, em São Paulo, o sambista respeita o samba como uma entidade. Realiza um trabalho de preservação da história do samba paulistano e está para lançar Antropofagia, um disco que reúne idéias antropofágicas do compositor paulistano, e sua visão do mundo na cultura brasileira, partindo de suas origens e permeando em questões contemporâneas.



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