segunda-feira, 18 de maio de 2009

Tiririca

Ler Sambexplícito – As vidas desvairadas de Germano Mathias, de Caio Silveira Ramos é ter uma aula do samba paulista. O texto flui em ritmo e letra de samba, e assim como numa roda de samba, quando você entra não consegue sair mais. Já nos capítulos iniciais, o autor nos apresenta a tiririca, espécie de capoeira em que um dos participantes tenta derrubar o outro dentro da roda, enquanto o samba corrre solto. A narrativa nos leva para dentro do jogo, e apresenta Madusca, o Branquinho Pixaim que no meio dos engraxates da Praça da Sé, atraía clientes e quem mais passasse para sua arte na tiririca.

“É chegar e ver. A Catedral prontanãopronta no fundo, a batucada no chão, engraxates trabalhando, caprichando no pé do freguês, competindo lustro e no batuque. É escova virando tamanco, costa com costa, barulho de madeira fazendo toquetiquitiquitoque. É a caixa, moleque sentado em cima, mão sincopando, tuntunchiquituntum. (...) É a lata de graxa, escovinha tamborilando tintinquichiquitim. E forma a roda. Engraxate sem freguês, se chega no outro. Freguês chega mais para ver e admirar que lustrar o pisante. E o batuque comendo solto. A roda formada. Os dois no centro da roda, ginga, gingando, negaceia, finge que vai, mais não vai, o outro também. Pernada de um lado, pernada do outro, saracoteando, saltando de banda, pinoteio pro lado, mão no chão, rasteira. É a tiririca, capoeira aqui se chama assim. Aqui, Sé. E também no Largo da Banana, República, Praça Clóvis, Rua Direita e onde tiver engraxate. (...)

Foi aliquando que o moleque descaminhado chegou, enfeitiçado, enfeitiçando, ninguém viu como e onde. Chegou. Olharam e ele já estava lá, a voz trazendo pra roda os sambas de rádio, as mãos encontrando a lata de graxa e desenhando no céu da praça o gingado incontrolável. E olha a perna voando. E olha os pés rabiscando o chão, traçando dribles de pernas engranitadas. É ele, roubando a roda, roubando o sossego dos engraxates: agora chega!(...) O freguês não resiste, quer ver aquele zureta, sarará maluco. Branquinho Pixaim. (...)

Entra em transe, a voz arrebentada, quer é brincar com a lata de graxa, derrubar o ouvinte que passa com os negaceios da voz. Fulano pensa que o som vai para lá, mas vai além de lá e quando vai, volta, derruba. As palavras cantadas vão derrubando os valentes. As palavras se quebram, requebram, se misturam. Chafurdagem de palavras e sons. E nascem outras palavra, outros sons do canto do Branquinho Pixaim.É assim que ele derruba mais. Sincopando o ar que lhe sai da boca. Ninguém sabe como aprendeu,já era”.



Saravá, Germano Mathias !

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