Matéria com Oswaldinho da Cuíca, um personagem por vezes adorado, por vezes odiado, mas imprecindível na história do samba paulista. Revista E, mês de junho.
O músico e pesquisador Oswaldinho da Cuíca fala sobre a memória do samba paulista e sua militância pela produção da periferia
Osvaldo Barros, Oswaldinho da Cuíca para todo o mundo do samba e da MPB, nasceu no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, em pleno carnaval de 1940. Teve infância pobre e uma trajetória difícil: “Vivendo só de música eu cheguei a passar fome”, diz. Mesmo assim, ficou conhecido no Brasil e no exterior como um dos maiores sambistas da música brasileira. Com a bandeira do samba genuinamente paulista em punho – e seu ritmo e história impressos em cada batuque –, Oswaldinho já tocou com lendas como Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, Germano Mathias, Ismael Silva, Zé Kéti e Nelson Sargento, entre outros artistas da música nacional.
Entre as contribuições do ritmista ao samba e ao carnaval paulista estão a fundação da Ala de Compositores da escola de samba Vai-Vai e a participação na criação da Gaviões da Fiel e da Acadêmicos do Tucuruvi. No início da década de 1990, integrou uma série de projetos de valorização do samba e da música popular brasileira e, em 1997, intensificou as pesquisas sobre a memória do samba paulista. Essa veia rendeu frutos, como o livro Batuqueiros da Pauliceia – Enredos do Samba de São Paulo, em parceria com André Domingues (editora Barcarolla), lançado no Sesc Pompeia em maio, com uma série de shows. “Minha militância é quase exclusiva no samba de São Paulo, no samba rural e no samba de periferia”, disse em depoimento à Revista E, pouco antes de seguir para o projeto Cooperifa, no Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, para assistir a uma sessão do documentário Cidadão Samba, dirigido por ele, por Toni Nogueira e Simone Soul e lançado no Sesc Consolação, no início do ano. O filme resgata a história do samba paulista por meio de um de seus principais representantes:“É um trabalho que tem uma função, que não foi feito para mostrar a minha música”, diz o protagonista Oswaldinho. “É um filme que tem um conteúdo inédito e que não está escrito em livro nenhum.”
Osvaldo Barros, Oswaldinho da Cuíca para todo o mundo do samba e da MPB, nasceu no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, em pleno carnaval de 1940. Teve infância pobre e uma trajetória difícil: “Vivendo só de música eu cheguei a passar fome”, diz. Mesmo assim, ficou conhecido no Brasil e no exterior como um dos maiores sambistas da música brasileira. Com a bandeira do samba genuinamente paulista em punho – e seu ritmo e história impressos em cada batuque –, Oswaldinho já tocou com lendas como Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, Germano Mathias, Ismael Silva, Zé Kéti e Nelson Sargento, entre outros artistas da música nacional.
Entre as contribuições do ritmista ao samba e ao carnaval paulista estão a fundação da Ala de Compositores da escola de samba Vai-Vai e a participação na criação da Gaviões da Fiel e da Acadêmicos do Tucuruvi. No início da década de 1990, integrou uma série de projetos de valorização do samba e da música popular brasileira e, em 1997, intensificou as pesquisas sobre a memória do samba paulista. Essa veia rendeu frutos, como o livro Batuqueiros da Pauliceia – Enredos do Samba de São Paulo, em parceria com André Domingues (editora Barcarolla), lançado no Sesc Pompeia em maio, com uma série de shows. “Minha militância é quase exclusiva no samba de São Paulo, no samba rural e no samba de periferia”, disse em depoimento à Revista E, pouco antes de seguir para o projeto Cooperifa, no Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo, para assistir a uma sessão do documentário Cidadão Samba, dirigido por ele, por Toni Nogueira e Simone Soul e lançado no Sesc Consolação, no início do ano. O filme resgata a história do samba paulista por meio de um de seus principais representantes:“É um trabalho que tem uma função, que não foi feito para mostrar a minha música”, diz o protagonista Oswaldinho. “É um filme que tem um conteúdo inédito e que não está escrito em livro nenhum.”
A seguir, trechos da conversa:
Tive uma infância muito pobre. Minha mãe era de Mogi das Cruzes – região que, em 1930, era um mato só, era interior. Ela se casou com meu pai, que era filho de italianos, mas eles se separaram depois de um ano – eles tentaram de novo, mas não deu certo. Com isso, a coisa ficou muito difícil para nós. Minha mãe foi trabalhar como empregada doméstica – foi o que ela conseguiu porque não tinha instrução nenhuma – e a patroa dela queria alguém que não tivesse filhos para poder dormir no emprego. Por isso, fui morar com a minha avó em Poá, outro fim de mundo, não tinha nem luz elétrica. Fiquei lá até meus oito anos, depois vim morar com uma tia em São Paulo – essa minha tia também era muito pobre, vendia frutas na rua. E foi em São Paulo que começou a minha vida de batucadas. Fui trabalhar como engraxate, com 13, 14 anos, em frente a um bilhar, na avenida Tucuruvi, que aos sábados tinha gafieira, e tomei gosto pelas batucadas. Depois disso, entrei nos cordões – antigamente não tinha escolas de samba em São Paulo – e não parei mais. Até que, de 1957 para 1958, o Corisco, da Editora Arlequim [editora era como eram chamadas as gravadoras] – que trabalhou com o Chico Buarque, com o Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, foi ele que começou a gravar com esses grandes da Record [refere-se aos festivais de música da TV Record que revelaram muitos nomes da MPB hoje famosos] –, começou a me levar para o estúdio para eu gravar com o Walter Wanderley e com outras pessoas famosas, nacionais e internacionais – porque vinha gente de outros países gravar aqui também. Foi assim que me profissionalizei. Em seguida, em 1959, ingressei no teatro de Solano Trindade – um pernambucano que tinha ido para o Rio de Janeiro e depois veio para São Paulo, um dos maiores nomes da cultura negra no Brasil, um grande poeta – que foi uma das minhas escolas. A outra foi meu convívio com um dos maiores gaúchos de todos os tempos, Luiz Carlos Barbosa Lessa, folclorista e compositor dos mais importantes do Sul.
Tive uma infância muito pobre. Minha mãe era de Mogi das Cruzes – região que, em 1930, era um mato só, era interior. Ela se casou com meu pai, que era filho de italianos, mas eles se separaram depois de um ano – eles tentaram de novo, mas não deu certo. Com isso, a coisa ficou muito difícil para nós. Minha mãe foi trabalhar como empregada doméstica – foi o que ela conseguiu porque não tinha instrução nenhuma – e a patroa dela queria alguém que não tivesse filhos para poder dormir no emprego. Por isso, fui morar com a minha avó em Poá, outro fim de mundo, não tinha nem luz elétrica. Fiquei lá até meus oito anos, depois vim morar com uma tia em São Paulo – essa minha tia também era muito pobre, vendia frutas na rua. E foi em São Paulo que começou a minha vida de batucadas. Fui trabalhar como engraxate, com 13, 14 anos, em frente a um bilhar, na avenida Tucuruvi, que aos sábados tinha gafieira, e tomei gosto pelas batucadas. Depois disso, entrei nos cordões – antigamente não tinha escolas de samba em São Paulo – e não parei mais. Até que, de 1957 para 1958, o Corisco, da Editora Arlequim [editora era como eram chamadas as gravadoras] – que trabalhou com o Chico Buarque, com o Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor, foi ele que começou a gravar com esses grandes da Record [refere-se aos festivais de música da TV Record que revelaram muitos nomes da MPB hoje famosos] –, começou a me levar para o estúdio para eu gravar com o Walter Wanderley e com outras pessoas famosas, nacionais e internacionais – porque vinha gente de outros países gravar aqui também. Foi assim que me profissionalizei. Em seguida, em 1959, ingressei no teatro de Solano Trindade – um pernambucano que tinha ido para o Rio de Janeiro e depois veio para São Paulo, um dos maiores nomes da cultura negra no Brasil, um grande poeta – que foi uma das minhas escolas. A outra foi meu convívio com um dos maiores gaúchos de todos os tempos, Luiz Carlos Barbosa Lessa, folclorista e compositor dos mais importantes do Sul.
A obra
Disco meu mesmo eu não tenho muito, não. Na verdade, eu me considerava mais instrumentista, músico de acompanhar. Eu fui o que mais gravou no Brasil. Até os anos de 1990, eu gravava com todo mundo, três, quatro sessões por dia. Eu gravei com tudo quanto foi artista deste país. Por isso, não me interessava em compor ou cantar, porque eu gostava de sambar nas escolas de samba, sambar no pé, e tocar cuíca, pandeiro, surdo, eu gostava era de tocar. Meu primeiro disco [Osvaldinho da Cuíca e Grupo Vai-Vai] é de 1974. Gravei pela Marcos Pereira, quando ela fez o mapa musical do Brasil – foi um dos primeiros registros em disco a mapear o Brasil. Depois, em 1984, fiz outro LP [Preto no Branco, pelo selo Som da Gente] – e, em seguida, gravei vários compactos, porque, como eu gravava muito samba enredo, dá impressão de que eu tenho muita coisa gravada, mas é porque eu tinha sempre um samba enredo campeão e que era gravado. Meu primeiro CD foi A História do Samba Paulista [1999], pela CPC Umes – ele nunca sai de catálogo, é muito procurado. Quando eu estava muito doente, comecei a fazer um monte de coisas. Fiz esse CD mais recente – Osvaldinho da Cuíca Convida – Em Referência ao Samba Paulista [2006, pelo selo Rio 8], com a participação de Demônios da Garoa, Jair Rodrigues, Quinteto Em Branco e Preto, Tobias da Vai-Vai, enfim, muita gente boa. E, nesse CD, na metade dele, eu escrevi músicas de cunho regional, sambas rurais, e a outra metade saiu com sambas urbanos, com a influência carioca. Mas, antes disso [em 2004], fiz um CD só com músicas clássicas [O Clássico Visita o Samba]. Eu e o Lelis [pianista e compositor carioca] no piano. Então só Beethoven, Bach, Mozart, todos os clássicos do passado em ritmo de samba. Foi nessa época que saiu o meu livro [Sampa, Samba, Sambista – Osvaldinho da Cuíca, Edição do Autor, de Maria Apparecida Urbano] e começou a ser feito o documentário, o Cidadão Samba. É um filme didático que conta a história do samba, de quem inventou os passos do samba, conta a história dos instrumentos, de onde eles vieram, a história dos cordões, do samba rural, da batucada paulista. É um filme que tem um conteúdo inédito e que não está escrito em livro nenhum. É um trabalho que tem uma função, que não foi feito para mostrar a minha música.
Disco meu mesmo eu não tenho muito, não. Na verdade, eu me considerava mais instrumentista, músico de acompanhar. Eu fui o que mais gravou no Brasil. Até os anos de 1990, eu gravava com todo mundo, três, quatro sessões por dia. Eu gravei com tudo quanto foi artista deste país. Por isso, não me interessava em compor ou cantar, porque eu gostava de sambar nas escolas de samba, sambar no pé, e tocar cuíca, pandeiro, surdo, eu gostava era de tocar. Meu primeiro disco [Osvaldinho da Cuíca e Grupo Vai-Vai] é de 1974. Gravei pela Marcos Pereira, quando ela fez o mapa musical do Brasil – foi um dos primeiros registros em disco a mapear o Brasil. Depois, em 1984, fiz outro LP [Preto no Branco, pelo selo Som da Gente] – e, em seguida, gravei vários compactos, porque, como eu gravava muito samba enredo, dá impressão de que eu tenho muita coisa gravada, mas é porque eu tinha sempre um samba enredo campeão e que era gravado. Meu primeiro CD foi A História do Samba Paulista [1999], pela CPC Umes – ele nunca sai de catálogo, é muito procurado. Quando eu estava muito doente, comecei a fazer um monte de coisas. Fiz esse CD mais recente – Osvaldinho da Cuíca Convida – Em Referência ao Samba Paulista [2006, pelo selo Rio 8], com a participação de Demônios da Garoa, Jair Rodrigues, Quinteto Em Branco e Preto, Tobias da Vai-Vai, enfim, muita gente boa. E, nesse CD, na metade dele, eu escrevi músicas de cunho regional, sambas rurais, e a outra metade saiu com sambas urbanos, com a influência carioca. Mas, antes disso [em 2004], fiz um CD só com músicas clássicas [O Clássico Visita o Samba]. Eu e o Lelis [pianista e compositor carioca] no piano. Então só Beethoven, Bach, Mozart, todos os clássicos do passado em ritmo de samba. Foi nessa época que saiu o meu livro [Sampa, Samba, Sambista – Osvaldinho da Cuíca, Edição do Autor, de Maria Apparecida Urbano] e começou a ser feito o documentário, o Cidadão Samba. É um filme didático que conta a história do samba, de quem inventou os passos do samba, conta a história dos instrumentos, de onde eles vieram, a história dos cordões, do samba rural, da batucada paulista. É um filme que tem um conteúdo inédito e que não está escrito em livro nenhum. É um trabalho que tem uma função, que não foi feito para mostrar a minha música.
Militância no samba
Em 1974, quando fiz meu primeiro LP pela Marcos Pereira, foi tudo muito às pressas. Veio um produtor do Rio, chamado Pedro Maranguape, que não conhecia direito o meu trabalho e me fez gravar algumas músicas – do Paulinho da Viola, do Benito de Paula –, e com isso eu gravei apenas duas músicas minhas e do Papete, que era o meu parceiro. E o José Ramos Tinhorão, no Jornal do Brasil, escreveu meia página com o título: O que impera no meio não é a virtude, é a mediocridade. E falou muito mal do disco. Ele começou a reportagem dizendo que tinha sido lançado um LP pela Marcos Pereira, disse que era um grande selo por retratar a cultura musical do Brasil, disse que o disco era meu e que, apesar de eu ser um grande sambista de São Paulo, tinha enveredado pelo caminho da mesmice, não acrescentando nada ao gênero regional de São Paulo. Disse que eu tinha copiado o samba de padrões cariocas. Eu tomei um choque com aquilo. Peguei aquela crítica e li, reli, e pensei: “E não é que o Tinhorão está certo?” Aquele produtor não tinha mesmo me deixado cantar as minhas músicas. Aí aceitei o puxão de orelha como uma crítica construtiva. Depois disso, de 1974 para cá – como eu vi muitos movimentos musicais e aqueles dos quais eu não participei eu ouvi a história dos antigos (seu Dionísio Barbosa, que nasceu em 1891, seu Zezinho do Banjo, que é de 1911, o Geraldo Filme, que nasceu em 1927) –, eu resolvi colocar isso em prática. Hoje a minha militância é quase que exclusiva no samba de São Paulo, no samba rural e no samba de periferia.
Em 1974, quando fiz meu primeiro LP pela Marcos Pereira, foi tudo muito às pressas. Veio um produtor do Rio, chamado Pedro Maranguape, que não conhecia direito o meu trabalho e me fez gravar algumas músicas – do Paulinho da Viola, do Benito de Paula –, e com isso eu gravei apenas duas músicas minhas e do Papete, que era o meu parceiro. E o José Ramos Tinhorão, no Jornal do Brasil, escreveu meia página com o título: O que impera no meio não é a virtude, é a mediocridade. E falou muito mal do disco. Ele começou a reportagem dizendo que tinha sido lançado um LP pela Marcos Pereira, disse que era um grande selo por retratar a cultura musical do Brasil, disse que o disco era meu e que, apesar de eu ser um grande sambista de São Paulo, tinha enveredado pelo caminho da mesmice, não acrescentando nada ao gênero regional de São Paulo. Disse que eu tinha copiado o samba de padrões cariocas. Eu tomei um choque com aquilo. Peguei aquela crítica e li, reli, e pensei: “E não é que o Tinhorão está certo?” Aquele produtor não tinha mesmo me deixado cantar as minhas músicas. Aí aceitei o puxão de orelha como uma crítica construtiva. Depois disso, de 1974 para cá – como eu vi muitos movimentos musicais e aqueles dos quais eu não participei eu ouvi a história dos antigos (seu Dionísio Barbosa, que nasceu em 1891, seu Zezinho do Banjo, que é de 1911, o Geraldo Filme, que nasceu em 1927) –, eu resolvi colocar isso em prática. Hoje a minha militância é quase que exclusiva no samba de São Paulo, no samba rural e no samba de periferia.
“(...) eu não me interessava em compor ou cantar porque eu gostava de sambar nas escolas de samba, sambar no pé, e tocar cuíca, pandeiro, surdo, eu gostava era de tocar”
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