quarta-feira, 13 de maio de 2009

Caco Velho - O Sambista Infernal

















"De manhã, temendo que me achasses feia / Acordei tremendo, deitada na areia / Mas logo teus olhos disseram que não / E o sol penetrou no meu coração / Vi depois numa rocha uma cruz / E o teu barco negro dançava na luz / Vi teu braço acenando entre as velas já soltas... / Dizem as velhas da praia / Que não voltas - São loucas, são loucas! Eu sei, ó meu amor, que nem chegastes a partir / Pois tudo em meu redor me diz / Que estás sempre comigo" (Barco Negro - Caco Velho)


Poucos sabem, mas Caco Velho foi a grande inspiração do mestre do samba paulistano Germano Mathias. Aquele samba sincopado, adiantando e atrasando o compasso, o improviso e a sonorização da cuíca com a própria voz são herança (ou inspiração) do samba de Caco Velho. Em suas letras, Caco ironizava situações cotidianas, sempre com pitadas de bom humor e malandragem. Sua história é pouco conhecida e seu nome quase nunca é lembrado. Apesar da origem em Porto Alegre, foi uma das principais influências do samba paulistano. A seguir, um breve resumo da vida do sambista infernal.


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Em 1934, a música Caco Velho (Ary Barroso) fazia sucesso nas rádios na voz de Elisa Coelho, uma das principais interprétes das letras de Ary. Matheus Nunes, um garoto de não mais que quinze anos, trabalhava no café Florida, em Porto Alegre.

O gaúcho Paulo Coelho observava o menino que repetia incessantemente enquanto batucava caixinhas de fósforo num tabuleiro: "mas hoje é um caco velho/ que não vale nada/ tem a cabeça branca e a pele encarquilhada". Em uma das noites, o pandeirista que tocava com Paulo faltou e ele chamou o menino para ajudar no samba com uma das suas principais habilidades. Outro dia, faltou o crooner (cantor), e o menino que cantava Caco Velho entrou de novo. Não quer dizer que Caco aprendeu a cantar ou tocar porque tinha que substituir alguém. Talento ele tinha, só faltava mesmo um empurrãozinho.

No final dos anos 30, já participando da Rádio Difusora e voz e violão do conjunto Regional de Piratini (ou Conjunto Regional Brasileiro), Caco viajou com o grupo para Argentina, Chile e México. Vale destacar que uma das apresentações teve transmissão direta para Hollywood.

Ele fez parte de outros conjuntos, e era considerado pela imprensa gaúcha o pandeirista nº1 de Porto Alegre. Humilde e bem humorado, ao retornar de um visita ao Rio de Janeiro, ele fugiu das especulações sobre uma possível ida para os Estados Unidos e convites para estrelas filmes, contando que "a viagem não foi nada demais. Fizemos uma rodinha e o pandeiro começou. Depois veio um Walt Disney, dizendo tudo em inglês...". Alguns depois, surgiram comentários de que o pandeiro do personagem Zé carioca era uma alusão - ou homenagem – às caretas e aos pés virados para dentro de Caco.

Sâo Paulo

Em 1942, Caco veio para São Paulo, seguindo exemplo de outros sambistas do Sul que conseguiram emprego em casas noturnas da capital. Em uma de suas aparições, Caco foi convidado por Demerval Costalina, da Rádio Tupi, a "dar uma passada" nos estúdios da Rádio Tupi. Ele foi, e após a cantoria no Batucada Paulista, ganhou apelidos como o Sambista Infernal e O Homem com a cuíca atravessada na garganta. O primeiro disco veio logo em seguida, 1944, pela Odeon, com os sucessos Briga de Gato e Maria Caiu do Céu.

Além dos atributos no pandeiro, na voz e na composição de sambas, Caco atuou nos filmes Carnaval Atlântida, Mulher de verdade e Carnaval em lá maior. Foi para Paris, cantou no cabaré La Macumba, e retornou dois anos depois, em 1957, para inaugurar sua casa noturna, Derval bar. Em 60 abriu o Brazilian´s Bar, e partiu com a banda homônima para os EUA, e em seguida para Lisboa, se apresentando em teatros, televisões e programas de rádio.

Naquele tempo, a Bossa Nova e a Jovem Guarda começaram a despontar na preferência musical no País, e as influências do exterior também se mostravam um concorrente para o estilo de Caco. O radialista Kalil Filho, da Tupi, chegou a sugerir uma influência da Bossa Nova no disco Comendador da Bossa Nova, gravado em 1963. Realmente, em algumas gravações o sambista se deixava levar pelo ritmo do violão, mas a verdade é que a Bossa é quem deve agradecer ao sambista, conhecedor do sucesso do movimento: dominar o ritmo e subjugá-lo¹.

Em 1969, Caco recebeu o diagnóstico de um câncer, retornando ao Brasil. Os tempos já eram outros. Ele reclamava dos cachês e dizia que o povo estava menosprezando a musica nacional, só queriam saber do iê-iê-iê. Dois anos depois, a doença o levou, mas sua originalidade e seu samba vainãovaijáfoi animam as rodas até hoje.

Suas principais composições são Barco Negro, Mãe Preta, Não bobeie Kalamazu e Não faça hora.


3 comentários:

  1. Prezados Senhores:
    Conheci Caco Velho quando eu era um garotinho e nada sabia das coisas musicais. Já maiorzinho, identifiquei-o como pandeirista do Regional do Piratini, uma animador e flautista do Rádio programa de calouros(A Hora do Bicho), sem maiores destaques. Creio que foi em São Paulo
    que se tornou um sambista-show e fazendo todo esse sucesso que vejo com prazer neste site.
    Parabéns por divulgar, corretamente, a história de um artista brasileiro nem sempre reconhecida.
    Pergunto: em que discos se pode encontrar as gravações de Caco Velho ?
    Glênio Reis: radialista com mais de 50 anos de profissão e em atividade, ainda). Obrigado.
    GREIS

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  2. Se me permitem a música Barco Negro é de autoria de um amigo de Caco, Piratini porém a letra é de um poeta português David Mourão Ferreira que a fez após a letra de Caco Velho ser proibida em Portugal na ditadura de Salazar. No caso, a música original composta por Piratini e Caco Velho chama-se Mãe Preta e temos duas excelentes interpretações, uma portuguesa da maravilhosa Dulce Pontes e a outra da brasileira Virgínia Rosa - vale a pena conferir essas duas grandes estrelas.

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    1. Autoria de Caco Velho e Piratini. Caco Velho compôs a música e letra, e o Piratini ajudou a finalizar.

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